Escrito por Henrick Lôbo Bezerra, advogado em Chixaro Luz Advogados Associados.

O crime de violência psicológica contra a mulher e a Lei 14.188, de 2021

No último dia 29 de julho do ano corrente, foi publicada a Lei n.º 14.188 de 28 de julho de 2021. À lume disso, entre outras providências, foi inserido no Código Penal o art. 147-B[1], além de haver sido definido, também, o programa de cooperação Sinal Vermelho[2], como uma das medidas de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, previstas na Lei n.º 11.340/2006[3].

Trata-se de notada ação afirmativa implementada pelo legislador ordinário, mediante a novel tipificação da violência psicológica, a fim de ver incrementas as louváveis e cada vez mais recorrentes políticas públicas de prevenção e combate da violência doméstica e familiar contra a mulher, ao intento de se erradicar, com isso, esse odioso ranço que ainda se faz presente, lamentavelmente, na sociedade brasileira.

Com efeito, somos surpreendidos, por vezes, com relatos de casos atrozes de violência contra a mulher, responsáveis por gerar na coletividade expressiva perplexidade, ensejadora de um estridente clamor público sedento pela punição exemplar do agressor, bem como pela implementação de cada vez mais políticas públicas combativas, conjugadas a uma atuação assertiva por parte das autoridades estatais à guisa de reprimir tais episódios, nada obstante já se verifique significativa legislação produzida nesse sentido.

Recorde-se que, à luz do Direito intertemporal, nos termos do art. 5.º da Lei n.º 11.340/2006, considerar-se-ia violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. Ou seja, o dispositivo legal supracitado retrata a saúde mental da mulher enquanto objeto de tutela normativa, autorizando, já outrora, a incidência dos ditames da Lei Maria da Penha e igualmente do Código Penal, ante o aperfeiçoamento de tipos penais específicos[4], sem se olvidar de mencionar, ademais, as medidas protetivas passíveis de serem aplicadas no caso concreto.

De igual sorte, os Tribunais pátrios, mediante a lavra das respectivas jurisprudências[5], já reconheciam que o estresse anormal, assaz a impactar de forma desmedida na saúde mental da mulher, era suficiente à configuração da violência doméstica e familiar descrita na Lei n.º 11.340/2006, ensejando, por via de consequência, a aplicação do Código Penal e demais legislações pertinentes a esse tema.

Note-se que, no âmbito doméstico, a prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher tem sido fruto de uma atividade legislativa cada vez mais incessante. Aliás, é o que se depreende desde a realização da Convenção de Belém do Pará, no ano de 1994, com a estipulação de direitos e deveres a serem observados pelo Estado e por todos, com o espeque de se propiciar o desenvolvimento pleno da mulher em sociedade de modo condizente à dignidade da pessoa humana.

Assim, mormente o advento de marcos legais tenha sido uma constate nos últimos anos, a necessidade de aperfeiçoamento da legislação pátria e adoção de políticas afirmativas segue inapelável. Nesse contexto, é que a Lei n.º 14.188/2021 exsurge, vale dizer, enquanto aprimoramento do arcabouço legislativo atinente ao âmbito de proteção do sexo feminino, além de cumprimento de exigências impostas por organismos internacionais, mediante a celebração de convenções na conjuntura do Direito Internacional às quais o Brasil se fez signatário.

Do exposto, constituindo a violência contra a mulher verdadeira violação dos direitos humanos e inexorável ofensa contra a própria dignidade humana, dessume-se que a atualização e otimização do encarte legislativo, tal qual a recentíssima ocorrida a partir da publicação da Lei n.º 14.188/2021, é incontestavelmente imprescindível enquanto forma de contribuição à erradicação das relações de poder historicamente desiguais vislumbradas entre mulheres e homens, ainda encrustadas na sociedade brasileira.

[1] “Art. 147-B. Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação: Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave.”

[2] Trata-se de um canal de comunicação imediata estabelecida entre determinados órgãos públicos e as entidades privadas de todo o País participantes do programa, a fim de viabilizar assistência e segurança à vítima, a partir do momento em que houver sido efetuada a denúncia por meio do código “sinal em formato de X”, preferencialmente feito na mão e na cor vermelha.

[3] A Lei n.º 11.340/06 faz homenagem à cearense Maria da Penha Maia Fernandes, farmacêutica-bioquímica que sofreu violência doméstica durante 23 anos.

[4] Exemplificativamente, art. 121, § 2.º, VI, do Código Penal.

[5] TJ-DFT – CCR: 20150020210278, Relator: MÁRIO MACHADO, Data de Julgamento: 31/08/2015, Câmara Criminal, Data de Publicação: Publicado no DJE: 03/09/2015. Pág.: 56.