A multiparentalidade está inserida no contexto dos novos arranjos familiares baseados no afeto como vínculo entre seus membros. O entendimento jurídico sobre a família não se restringe apenas a um grupo de pessoas unidas em razão de laços sanguíneos, mas também pela constituição de famílias socioafetivas, as quais são sociedades familiares baseadas na afetividade e amor.

Nesse contexto, entende-se a multiparentalidade como a possibilidade de inserção do nome de mais do que dois pais/mães no registro de nascimento de um filho(a). Assim, é possível que uma pessoa inclua em sua certidão o nome do pai biológico, mesmo já havendo o nome do pai socioafetivo, ou vice-versa. A exemplo, a 1ª vara de Família e Sucessões de Contagem/MG acolheu, em 2016, o pedido de uma mulher que solicitou judicialmente para alterar seu registro civil de forma a incluir o nome de sua mãe socioafetiva, com quem vivia desde criança.

Em outro caso, de 2017, a 3ª turma do STJ garantiu a um homem de quase 70 anos o direito de receber herança do pai biológico, mesmo já tendo recebido herança do pai socioafetivo. Isso se deu pelo fato de o homem descobrir, após 60 anos, que seu pai biológico era outro e não o que constava em seu registro. Ele então pleiteou a alteração em sua certidão para incluí-lo.

O Supremo Tribunal Federal certificou o trânsito em julgado da questão constitucional suscitada no RE nº 898060, cuja tese foi firmada nos seguintes termos: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios” (STF, REx nº 898.060, Rel Min. Luiz Fux, Plenário, pub. 24/08/2017). Não foi a primeira vez que o STF reconheceu efeitos jurídicos a relacionamentos familiares afetivos, consagrando esta importante categoria jurídica representada, nesse caso, pela chamada socioafetividade.

Vale frisar que o reconhecimento da multiparentalidade pode levar a diversas consequências jurídicas além do registro civil, como direito ao recebimento de alimentos, necessidade de definição de guarda e mesmo direitos sucessórios. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já estabeleceu a irrevogabilidade do reconhecimento de filiação socioafetiva, que somente pode ser desconstituído por meio de ação judicial quando comprovado vício de vontade, fraude ou simulação (Provimento nº 63/2017).

Essa possibilidade de haver mais de dois genitores nos registros de nascimento demonstra como o direito das famílias tem se mostrado um ramo dinâmico que busca acompanhar as mudanças sociais e as complexidades das relações humanas.